ARTIGO: O VALOR DO VOTO

por Marcelo Monte — publicado 07/10/2019 16h38, última modificação 07/10/2019 16h38
Nas sociedades democráticas contemporâneas o sufrágio universal tem valor basilar para que os preceitos da liberdade e da igualdade política do cidadão sejam preservados. E neste aspecto a importância do indivíduo socializado e politizado, consciente do seu lugar e do papel que deva desempenhar na seara do jogo político, revela-se imprescindível com o propósito de que não ocorra a degradação do campo democrático.

Para Gilberto Bercovici (2004) o fundamento da democracia situa-se na identidade e na homogeneidade popular consistente no aspecto existencial da unidade política. Desse modo quanto mais houver a união do povo, parte essencial na estruturação de uma nação, maior e mais consistente será a sua soberania.

A concepção de democracia de todo modo determinante encontra-se presente na supremacia constituinte quando se afirma que o poder deve emanar do povo exercendo-o por meio de seus representantes legais, de forma que diversos dispositivos do texto constitucional prevêem o voto universal, os direitos políticos, as liberdades políticas, o referendo, o plebiscito e a ação popular, que retratam a forca democrática da declaração universal do povo.
Dessa forma, a Constituição (Marx, 1992a) postulada como a criação própria do povo, não pode ser vista tão somente em aparência, mas na realidade, como fruto da criação livre do homem e da discordância social, não permitindo que os anseios populares de modo algum sejam ignorados ou suprimidos. É a presença de um regime político-constitucional, que assegure, segundo Robert Dahl (2005), o status poliárquico, com a necessidade de que o Estado promova a inclusão do cidadão e possibilite o método de controle e de contestação à conduta do representante eleito, como forma de se atingir a plenitude do estágio da democratização.
Ademais, nessa perspectiva, compreender a dinâmica do comportamento político no Brasil é observar a questão do clientelismo eleitoral e de que forma essa prática prejudicou e vem prejudicando a formação do cidadão que deva ser consciente de suas obrigações e ciente da sua importância no processo sufragista brasileiro. A dominação política patrimonial que reveste no poder das oligarquias políticas e representam diversas castas sociais estão a serviços de diversos setores do capitalismo moderno. A ascensão ao poder e a permanência no assento legislativo depende da prática do estelionato político-eleitoral e da manipulação das massas, induzindo e afiançando a população às mais variadas promessas e benefícios. Dívidas que jamais serão quitadas com a sociedade, já que os seus principais fiadores e credores não pertencem à classe trabalhadora e assalariada brasileira.
Por isso, a importância na escolha de uma liderança política que realmente represente as pretensões da comunidade que o elegeu e que não se utilize de uma relação de troca de favores políticos por benefícios econômicos e na perpetuação no mandato público. Visto que a relação consignada em interesses recíprocos entre eleitor e eleito faz nascer à verdadeira e real democracia, desprovida do patrimonialismo, do clientelismo e da interferência burocrática do Estado, referenciando o surgimento de uma força política mais pura e menos opressora que possa assegurar à sociedade a plenitude da igualdade e dos direitos mínimos existenciais, proporcionando ao individuo uma vida digna, justa e segura. É o “milagre arendiano” de Hanna Arendt que é assentado na plenitude da emancipação cidadã, sem a interferência estatal, autoritária e repressora que busca, sobretudo, a eliminação da pluralidade dos homens. 
Diante disso, o que se questiona aqui é saber como se exerce a autêntica soberania popular, diferentemente da mera transferência do poder do sufrágio eleitoral e como se evidencia a vontade popular na sua mais ampla hegemônica prática, ao contrário do arbítrio, da satisfação-deleite e da pura aspiração do agente político no cenário eleitoral. É o modelo moderno de democracia schmittiana, associada à eleição do legítimo e verdadeiro representante da massa, na qual a escolha servirá para aclamar o líder carismático, tão presente da democracia representativa de Max Weber.
É o exercício do voto fomentado pelo Estado para a concretização de uma sociedade alicerçada no Estado de Direito e fortalecida democraticamente, desprovida de interesses individuais e econômicos e inspirada no padrão grego de democracia em que prevalece a opinião e a decisão coletiva, mas dentro de uma lógica paritária, transparente e sem fraude eleitoral. 
É o povo sendo povo, com todas as suas facetas e superioridade, que determina o paradigma a ser seguido em uma sociedade amadurecida e desenvolvida, delimitada através do comportamento legal traçado na Constituição cidadã.
É a massa engajada intensamente nas agendas sociais e políticas do país, exercendo o dever de cidadania, de forma acertada e desprovida de valores privados e do agente captador de sufrágio que só aparece tão somente nos períodos sazonais de eleição.  
É o indivíduo eleitor sendo o animal politico deduzido por Aristóteles que tem que participar efetivamente na elaboração e na execução das leis, com envolvimento permanente na vida política da sociedade e com desconfiança perceptiva em escolher quem lhe representará após o escrutínio.   
Enfim, indaga-se se a sociedade brasileira está apta a desempenhar essa autoridade soberana de saber escolher e eleger seus representantes legais ou se não é preciso um tempo maior para que haja amadurecimento democrático do nosso concidadão?
Por Marcelo Monte, advogado e cientista político
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